domingo, 4 de janeiro de 2015

Nascemos sozinhos e do mesmo modo, morreremos.

É meus amigos, nem tudo são flores. Vamos falar de solidão. Sim, de estar só, de se sentir só e de fato estar só. O que toda esta experiência "esfrega" na sua cara é que sim, você está sozinho nessa. Do mesmo modo que nascemos sozinhos, morreremos sozinhos. O mundo não vai parar porque você está mal, porque você está fraco, porque você está doente. É como um tapa na cara, de mão cheia, certeiro e bem dado pela realidade. Não quero parecer ou soar ingrata. Ingratidão não tem nada com isso. Me considero uma pessoa amada e querida, mas é incontestável a decepção, ou o choque de realidade, que vivemos neste período. Como seres humanos, temos o péssimo hábito de criar expectativas, de esperar certos comportamentos de nossos amigos e entes queridos, em momentos de baixa, como este que estou vivendo. Sim, todos nós fazemos isso. Comigo não foi muito diferente. 

Cerca de cinco meses atrás, meu padrasto fez uma cirurgia para colocação de uma prótese no quadril devido a uma artrose coxo-femoral. Foram 3 meses até sua recuperação. Neste período toda a rotina da família foi alterada. Ele ficou chato, reclamão e muito carente neste período. Sempre comíamos fora. Passamos a comer em casa todos os dias, inclusive aos finais de semana. Deixei de fazer vários programas, cancelei festas, cinemas, eventos com amigos, para que ele não ficasse sozinho. E isso pra mim não foi um problema. Minha família precisava de mim e eu estava lá. Minha mãe fez o mesmo. Cancelou compromissos, faltou uma semana ao trabalho para se dedicar ao marido, ao meu padrasto em um momento em que ele de fato precisava. Todas as vontades dele foram feitas, até no cardápio da casa. As refeições, compromissos, tudo girava entorno da recuperação dele. Pra mim isso é o certo, é o normal, é o que se espera. Sai mais cedo do trabalho alguns dias porque ele me ligava e pedia pra eu não chegar tarde! Enfim, fiz tudo o que pude, ajudei em tudo o que pude, fiz o melhor que pude.

Bom... Quando chegou a minha vez de precisar de ajuda, compreensão, suporte familiar... Bem... Um cenário bem diferente do descrito acima aconteceu. Eu sentia que devia algum tipo de lealdade e dedicação a minha família. Agora não sinto mais. Não devo absolutamente NADA a eles. NADA! Não vou mudar minha rotina novamente, por eles. Não vale a pena. Nada, nenhuma rotina deles foi alterada por mim. 

Apoio na dieta, que apoio?! Em plena dieta de restrição de iodo, em que não se recomenda comer fora, tentaram me "convencer" a comer fora por diversas vezes. E cada negativa minha, vinha acompanhada de uma crítica ou comentário não construtivo! Eu virei um problema pra família! Uma bela e grande pedra no sapato de todos! A chata! A difícil! A anti-social! A antipática! 

Estar doente, em fase pré-iodoterapia, em plena dieta de restrição de iodo no período de natal e ano novo não foi nada fácil.  Acho que meus "pais" tinham planos de eventos e almoços felizes, na rua, fora de casa, e eu me tornei um problema, um fardo! 

Antes da fase de restrição de iodo, como teste, comecei uma restrição ao sódio, pra ver como seria passar pela fase da dieta. Até então eu comia na rua e eventualmente, desde que o restaurante me desse garantias de que era possível o preparo de pratos sem sal. Certa noite, era o jantar de natal de alguns amigos deles, que também considero como meus amigos. Meu padrastro disse pra mim que achava que era melhor eu não ir, porque aquela situação( leia-se, eu, minha doença e minhas restrições) fazia mal a ele. Oi?! É sério isso?! Bom, ele, meu padrastro "conversou" comigo no máximo umas três vezes desde que declarou que esta situação fazia mal a ele. Em um mesmo ambiente, duas pessoas sentadas, uma parede invisível e intransponível de gelo levantada por ele, um silêncio sepulcral... Me tornei invisível. Uma única vez apenas, no período de enjoo e náusea lancinante, ele veio ao meu quarto e me convidou para almoçar fora, na rua, com toda a família. Eu recusei. E justifiquei. Primeiro porque não podia comer na rua, segundo porque naquele período específico  o cheiro de comida dos outros me fazia muiiito mal. Ontem tivemos a primeira conversa em 15 dias sobre o assunto. Segundo ele eu não tenho mais cancer. Os tratamentos que vou passar são mero protocolo e que estou encarando o "problema" de uma forma negativa. 

Bom, prefiro não esperar nada de bom ou mal, mas me preparar para o pior. Durante todo o processo o que eu mais ouvi de todo mundo foi : " não vai ser nada"! Só que foi. Se eu tivesse acreditado que não era nada e que tuuuudo seria perfeito, seria apenas um susto, teria ficado devastada com a confirmação da suspeita inicial. Câncer. Só vou me convencer de que a primeira batalha foi vencida após a cintilografia, após a iodo terapia, após o mapeamento aprontar que não tem metástases no meu corpo. Até lá, torço pra que não tenha nada, mas não me sinto livre da doença. Só vou comemorar a vitórias desta batalha (não da guerra), após  confirmação clinica que não tenho mais traços detectáveis de câncer de tireoide. É assim que eu funciono! Não quero criar falsas expectativas e ficar pra baixo depois caso as mesmas não se equiparem a realidade. 

Com minha mãe, não foi diferente. Esteve comigo no hospital, no dia da cirurgia. Fez questão de estar no consultório quando recebi a confirmação do diagnóstico e só. Viajou uma semana depois da minha cirurgia pra encontrar as irmãs.  Convidou metade da família pra passar o natal/ ano novo aqui em casa! Foi a praia todos os dias possíveis, não abriu mão ou deixou de fazer nada do que queria por minha causa. Festas com as amigas a passeios com amigos ou familiares, A família, leia-se tios, primos, irmão, cunhada e agregados foram o foco e bem recebê-los também! Por isso a insistência frenética para que eu comesse na rua, todos os dias! A família toda ia, e eu não ir, pagava de antissocial. Quem liga pra dieta e restrição de iodo, né?! Se todos querem comer na rua, comeremos. Eu não! Me fez dividir meu banheiro com 6 pessoas, em um período de fraqueza, em que ficamos chatinhos, enjoados, mal. E se eu reclamasse era imediatamente taxada de chata, egoísta, anti-social e por ai vai! Fora o (des) respeito as minhas solicitações. Falei a ela que devido ao meu enjoo não comeria carne neste período. E o que ela e minha tia preparam pra mim? Uma bela porção de carne moída ( umas 400g pelo menos). Disse que não comeria e pedi que congelasse. Assim ela o fez. Mas passou os próximos cinco dias me oferecendo aquela maldita carne, que eu já havia expressamente pedido para que ela não preparasse. Fez drama em frente a toda família sobre a minha ingratidão por não ter comido a maldita carne moída preparada com tanto gosto, carinho e amor só pra mim ( mesmo depois de eu ter pedido por duas vezes que ela não o fizesse). Tudo bem eu passar mal, né?! Apenas para agrada-la e demonstrar minha "gratidão" pelo preparo de um alimento que me faz mal e que eu pedi que não fosse preparado para mim. É sério isso?! Não comi e tão pouco vou comer. Não sou obrigada! 

O sonho de todo paciente em fase pré iodoterapia é ter a casa repleta de pessoas em férias, doidas para "curtir", consumindo e acabando com os únicos alimentos que vc pode comer... Acordar e não ter uma única geleia consumível é ótimo. Seus primos te olhando com cara de "que porra é essa", por você reclamar que não tem nada que possa comer, porque de fato não tem! Comeram tudo!

Foi lindo gente! Momento memorável! Estive sozinha todos esses dias. Sozinha! 

Nas minhas condições de hipotireoidismo extremo, fraqueza, cansaço, tive de ir ao mercado sozinha e comprar os alimentos que eu poderia comer. Preparei sozinha todas as minhas refeições, expus a Cicatriz do meu pescoço ao calor de forno e fogão.  Me virei. Todos os dias. Sábados, domingos, feriados, dias de semana. Me virei. Sozinha.

Nada na rotina da família foi alterado. Em momento algum minha doença ou recuperação foram priorizados. Virei um fardo, solitário! Fui obrigada a me virar. E aprendi a lição das lições. Nascemos sozinhos e morreremos sozinhos. Não devo absolutamente nada aos meus pais ou familiares. Não mudarei minha rotina por eles jamais.

A insistência em comer carne parmanesce. A insistência em comer fora também. O que vem me tirado do sério. Quarta feira, dia 06/01 faço a cintilografia, dia 07/01 me interno para a iodoterapia. Falta menos de uma semana pra passar por todo o processo! Houve uma discussão aqui em casa sobre isso. Falei que passar por todo o processo já é difícil o suficiente! As insistências deles  só pioram o processo! Preciso de apoio e não de ajuda para burlar o processo e prejudicar meu tratamento. Isso é pedir muito?!

Belo apoio familiar, né?!  Tem sido dias infernais. De convivência a rejeição, a incompreensão, ao egoísmo. Li em diversos sites de outros pacientes que descobriram uma amiga pra vida, que o apoio familiar foi fundamental e etc.... Não pude experimentar isso.

Grande parte dos meus amigos não sabe como lidar comigo, com o diagnóstico, agora. Pessoas próximas se afastaram, pessoas que eu nunca esperaria se aproximaram e demostram que torcem e rezam por mim. Meu irmão mais velho me mandou uma mensagem esses dias falando exatamente isso. As pessoas não tem maturidade emocional para lidar com situações não esperadas. Pros amigos, ok. Só não esperava o mesmo da minha família. 

Lições de vida:
1- Você não deve nada a ninguém, nem aos seus pais. 
2- Eles não devem nada a você.
3- Não crie expectativas.
4- Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier. 
5- Nascemos sozinhos e morreremos sozinhos. 
6- Nossa dor é só nossa e ninguém liga.
7- Se vira! Mesmo sem apoio, você, sozinho, precisa superar os obstáculos.








O hipotireoidismo e toda a sua fúria.

Dia 21/12, acordei e fui trabalhar. O médico, oncologista, havia me aconselhado a não ir, a me "preservar". Mas eu estava bem, ótima! Até que deixei de estar! Acho que nunca havia me sentido tão mal em toda minha vida. E os sintomas? Cansaço extremo, indisposição, uma náusea lancinante, ânsia de vomito, queda de pressão, suadouro e mãos húmidas, olho lacrimejando. Tudo junto! Ao mesmo tempo. Se eu tentava levantar, sentia que ia desmaiar. Tive de esperar me sentir menos pior, pra poder ir embora. É sério! Só de lembrar o cheiro de pão quente que estava no escritório, fico arrepiada. Nunca um odor me provocou uma náusea tão extrema. Fiquei desesperada. Liguei para minha médica endocrinologista e nada. Também, as. Esperas do natal, belo período para se sentir mal. Liguei então para minha médica cirurgiã de cabeça e pescoço, a que me operou. Ela me disse que eu estava com hipotireoidismo. Que esperavam que ainda houvesse hormônios residuais da  tireoide em mim até dia 27/12, mas que devido ao estresse pre cirúrgico, minhas reservas havia se esgotado antes. Me recomendou acumpultura para alívio dos sintomas e o uso constante de uma "pulseira anti enjoo".  Desliguei o telefone e dei início a saga de encontrar um acumpulturista trabalhando as vésperas do natal. Liguei a diversas clínicas e consegui uma consulta, para o mesmo dia, as 17:00h. Esperei até o mal estar reduzir um pouco, peguei um taxi e fui pra casa. Ao chegar, deitei e dormi direto até as 16:00h. Não consegui comer ou beber nada. Fui me arrastando para a seção de acumpultura. Uma pequena distancia me pareceu uma maratona. Minhas pernas pesavam tanto que a "caminhada" me pareceu algo próximo de uma tortura. Fiz a seção, voltei me arrastando pra casa. Minha mãe após procurar muito conseguiu comprar a tal pulseira anti enjoo. Minha salvação e acessório certo neste verão! Tenho feito seções de acumpultura duas vezes por semana desde então. Tem ajudado muito. Ainda me sinto cansada, mas não esgotada. Quanto ao enjoo, é muito pior de manhã. Não consigo comer direito de manhã. Como uma fruta e só. Não como mais pão. Evito carne ao máximo. Acho que comi 3 vezes em três semanas, por insistência de familiares... Bom, vou abordar este assunto em outro post. Só sei que não comer carne ajuda e faz com que eu me sinta "melhor". Parei de ir ao trabalho presencialmente. Tenho trabalhado de casa esses dias, respeitando meu corpo, meu ritmo e sem forçar a barra. Tenho feito o melhor que posso. Não está sendo nada fácil.